O Coletivo Nacional de Lésbicas Negras Feministas Autônomas – CANDACES BR, tem como diretriz principal a visibilidade, letramento e empoderamento das lésbicas negras sendo destituído de preconceitos e discriminação de qualquer natureza (racismo, sexismo, lesbofobia, discriminação racial e todas as discriminações correlatas). Compondo-se de um espaço para o exercício da solidariedade e construção dos conceitos de promoção de Cidadania e Direitos das Lésbicas Negras, no desenvolvimento da consciência crítica visando autonomia e transformação do indivíduo para que este se torne agente transformador em nossa sociedade.

O Coletivo Candaces tem como finalidade a luta pelo estabelecimento de uma política eficiente de saúde publica ligada a feminização da AIDS, através do Plano Integrado de Enfrentamento à Feminização da Epidemia da AIDS e outras DST, bem como desenvolver projetos voltados para a promoção da cultura, educação ambiental, comunicação, arte e gênero.

O Candaces também traz a preocupação e o recorte das pessoas com deficiência, nesse caso em específico as lésbicas e bissexuais, com algum tipo de deficiência. Para a garantia das especificidades no contexto geral das Políticas Públicas, no reconhecimento enquanto sujeitos políticos da história. Não são privilégios, mas sim uma atenção diferenciada dentro da política de saúde nacional, respeitando sempre as condições e limitações das pessoas com deficiência. Nesse sentido torna-se de suma importância que o segmento das pessoas com deficiência seja consultado na elaboração de novas propostas de Políticas Públicas visando sempre à acessibilidade e a inclusão social para todos.

domingo, 3 de agosto de 2008

MARCHA MST - DIGNIDADE, TERRA PARA TODXS! NÃO A CRIMINALIZAÇÃO DA LUTA POPULAR








mariana pessah[1]

No sábado estávamos na casa de Maria Rodríguez, uma das líderes do MST no Brasil. Logo depois do almoço, enquanto passava um chimarrão, saiu de minha boca uma das grandes obsessões que há tempos me acompanha. O que faz que uma mulher pobre, do campo, busque como saída a prostituição e outra, em iguais condições, se aproxime do Movimento de trabalhadorxs Rurais Sem Terra e com terra? Maria ficou quieta, como se estivesse ausente. Enquanto isso, outras das mulheres ali presentes arriscavam alguma resposta. Passados alguns minutos, MR parecia voltar “ao nosso encontro”. As oportunidades, falou quase sem pensar. Tem gente que não tem, tem pessoas que não conhecem o caminho. Tem aquelas que vem as noticias pela tv, ficam desconfiadas de que algo deve haver por trás e, com o tempo, vão descobrindo diferentes atalhos. Nesse momento falava de objetivo e persistência.

Ela não sabia, mas parecia que estávamos falando de diferentes épocas de minha vida. Uma delas, a razão de estar vivendo no Brasil e de minha proximidade com esse movimento social que tanto admiro. Outra, quando na adolescência ansiava por unir-me ao movimento feminista e não sabia como me aproximar daquelas mulheres.

Seguramente essa foi uma das razões pelas quais a marcha
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se estendera por 22 kilometros. Olhando para o mapa não pareciam necessários tantos passos, mas a decisão foi desviar-se e passar por uma favela. Mostrar a luta, despertar os bichinhos da insurgência, falar, cantar e gritar através de nossas próprias gargantas e punhos. Visibilizar o que a tv oculta. Criar uma oportunidade para outrxs trabalhadorxs.

A noite do 23 para o 24 de julho foi maravilhosa, inesquecível. Logo depois de um dia árduo fui me deitar as 9 da noite, horário estranhíssimo para uma urbana e portenha como eu. Tinha os ossos cansados, a cabeça revolucionada, necessitava parar, descansar. Esse dia não foi um dia a mais, tampouco o seria o seguinte. As luzes se acenderiam às 4.30 hs porque as 6.30 começava a caminhada para Porto Alegre.

Durante a noite acordei várias vezes, abria os olhos e respirava LUTA. Estava dormindo no ginásio de um sindicato junto a 600 pessoas, entre elas, crianças.

Como diria Bakunin, “respirava por todos os sentidos e por todos os poros a embriaguez da atmosfera revolucionária”. Me sentia dentro da luta. Não era apenas uma postura contra o capital, contra o capitalismo, a favor da igualdade de classes e mil outras opções.

Talvez por isso meu corpo, na segunda-feira seguinte, se manifestaria bravamente. Vomitei durante horas, como não recordo tê-lo feito em 40 anos. Algo necessitava acomodar-se.

Durante o dia de segunda tinha passado pela sede do Incra onde se encontravam varixs sem terra com quem havia compartilhado a caminhada, algumas comidas, intermináveis rodadas de mate e de conversas. “A gente da marcha” estava chegando. Não paravam. A revolução não tem dia nem horário. Seguiam denunciando as injustiças, o classismo cotidiano. Enquanto esperávamos ansiosamente sua chegada, nos deparávamos, mais uma vez, com os temores de se a brigada militar, a tropa de choque, deixariam entrar novamente nossxs companheirxs na sede do Incra, atual residência temporária
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Enquanto isso, uma acampada me contava de seu temor de ser ferida, outro me falava de seus 2 anos e 4 meses de vida debaixo da lona preta. Não posso, não quero – dizia com voz decidida – chegar aos 2 anos e 5 meses. A única forma é estar aqui, resistindo e lutando.
Enquanto se especulava sobre o que poderia suceder, a entrada se realizava com total tranqüilidade. E isso que o coronel Mendes acompanhou pessoalmente toda a marcha pela cidade!
Uma irmã da Pastoral da Terra lembrava que o odioso coronel um mês atrás, havia dado a ordem de golpear brutalmente axs companheirxs. Essa “pessoa” dizia que somente assim se re-acomodariam. “E, viu só? Não nos re-acomodamos nem aos golpes, nem nada” - ela ria vencedora enquanto abria seu guarda-chuvas. Nem a água benta poderia deter o movimento em Porto Alegre.


Eu permaneci um pouquinho mais, abracei minhas amigas, conversei um pouco, fotografei outro pouco. Eram quase 3 da tarde e uma longa fila ia se formando, pratos na mão, para receber o almoço. A coluna em caracol estava debaixo da chuva. Uma mãe protegia debaixo de seu abrigo o seu pequeno lutador.

Sai caminhando com as mãos nos bolsos. Não senti a água, senão inúmeras contradições. A injustiça social calava profundamente em meus ossos.
Creio que tanta raiva geraria os vômitos de poucas horas mais tarde. A necessidade de gritar, de chegar a todos os lados, inclusive, dentro da tubulação.


Julio de 2008

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