O Coletivo Nacional de Lésbicas Negras Feministas Autônomas – CANDACES BR, tem como diretriz principal a visibilidade, letramento e empoderamento das lésbicas negras sendo destituído de preconceitos e discriminação de qualquer natureza (racismo, sexismo, lesbofobia, discriminação racial e todas as discriminações correlatas). Compondo-se de um espaço para o exercício da solidariedade e construção dos conceitos de promoção de Cidadania e Direitos das Lésbicas Negras, no desenvolvimento da consciência crítica visando autonomia e transformação do indivíduo para que este se torne agente transformador em nossa sociedade.

O Coletivo Candaces tem como finalidade a luta pelo estabelecimento de uma política eficiente de saúde publica ligada a feminização da AIDS, através do Plano Integrado de Enfrentamento à Feminização da Epidemia da AIDS e outras DST, bem como desenvolver projetos voltados para a promoção da cultura, educação ambiental, comunicação, arte e gênero.

O Candaces também traz a preocupação e o recorte das pessoas com deficiência, nesse caso em específico as lésbicas e bissexuais, com algum tipo de deficiência. Para a garantia das especificidades no contexto geral das Políticas Públicas, no reconhecimento enquanto sujeitos políticos da história. Não são privilégios, mas sim uma atenção diferenciada dentro da política de saúde nacional, respeitando sempre as condições e limitações das pessoas com deficiência. Nesse sentido torna-se de suma importância que o segmento das pessoas com deficiência seja consultado na elaboração de novas propostas de Políticas Públicas visando sempre à acessibilidade e a inclusão social para todos.

terça-feira, 31 de março de 2009

Mulheres negras experimentam novas conquistas

Mais de um século depois do fato que motivou a comemoração do Dia Internacional da Mulher, a realidade das mulheres brasileiras continua desigual se comparada à dos homens. No mercado de trabalho, elas ainda recebem menos do que os homens e, muitas vezes, não são tratadas dignamente.



De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nas principais regiões metropolitanas do país, as mulheres ganhavam em torno de 71% do rendimento recebido pelos homens em 2008.



Se a disparidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho é grande, esse quadro se agrava quando se considera a cor da pele. Em 2008, os trabalhadores negros ganhavam, em média, pouco mais da metade (50,8%) do rendimento recebido pelos trabalhadores brancos, de acordo com IBGE. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), as mulheres negras são o grupo que apresenta o menor rendimento mensal.







A PNAD foi feita ao longo de uma década (1987-1998). Na análise do técnico Sergei Suarez Dillon Soares, da Diretoria de Estudos Sociais do Ipea, "as mulheres negras arcam com todo o ônus da discriminação de cor e de gênero e ainda mais um pouco, sofrendo a discriminação setorial-regional-ocupacional mais que os homens da mesma cor e as mulheres brancas". Mas, segundo ele, a discriminação salarial contra mulheres, independentemente da cor da pele, está caindo a uma taxa lenta, mas constante.



O Dia Internacional da Mulher nasceu de um fato histórico desumano. No dia 8 de março de 1857, cerca de 130 tecelãs em uma fábrica de Nova Iorque morreram carbonizadas após uma extensa greve por melhores condições de trabalho. As tecelãs reivindicavam redução na carga diária de trabalho, equiparação de salários com os homens e tratamento digno no ambiente de trabalho. Foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada. Somente em 1975, a data foi oficializada pela Organização das Nações Unidas.



As conquistas das mulheres negras


Apesar de a realidade vivida pelas mulheres negras ainda não ser igualitária, muito já foi conquistado e mudado por sua presença e luta na sociedade brasileira. A Fundação Cultural Palmares, traz, neste 8 de março, a visão de sete mulheres negras, representando todas as mulheres negras brasileiras, sobre o que é ser mulher, o que é ser negra e as principais conquistas das afro-brasileiras.





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Cristiane Sobral



Atriz, educadora e escritora, Cristiane Sobral foi a primeira negra graduada em Interpretação Teatral pela Universidade de Brasília (UnB). Carioca, nascida em Coqueiros, zona oeste do Rio de Janeiro, chegou a Brasília em 1990, onde começou a fazer teatro no ambiente estudantil. Aos 16 anos, ingressou na UnB, no curso de Artes Cênicas. Concluiu a graduação em 1998, com o espetáculo "Uma Boneca no Lixo", dirigido por Hugo Rodas.




Fundou o grupo de teatro Cabeça Feita, formado de artistas negros, com o qual se apresentou em Luanda, capital de Angola, em 2004. Possui publicações literárias na série Cadernos Negros - antologia editada anualmente pelo Grupo Quilombhoje, de São Paulo, um coletivo de escritores afro-brasileiros reunidos desde 1978.




Desde 2002, participa do grupo "Oi Poema", ao lado de Luís Turiba, Nicholas Behr, Amneres Pereira e Bic Prado, apresentando recitais poéticos em eventos como a Bienal Internacional da Poesia e a "Barca Poética". Em 2007, viveu em Luanda por três meses, quando montou espetáculos e coordenou um curso de teatro a convite do Ministério da Cultura angolano.




Sua formação acadêmica e profissional inclui o Mestrado em Artes na UnB (em curso), a Especialização em Docência do Ensino Superior, a Licenciatura em Artes Cênicas e o Bacharelado em Interpretação Teatral. Atualmente, além da atuação artística e literária, Cristiane é professora substituta do Departamento de Artes Cênicas da UnB, assessora de Cultura da Embaixada de Angola e professora da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes e do Colégio ALUB.





FCP - O que é ser mulher e negra na sociedade de hoje?




Cristiane - Conciliar trabalho, família, lazer, desejos e aspirações não têm sido, em tempo algum, uma tarefa fácil. O desafio de ser mulher está presente em todas as áreas. Visões estereotipadas, a agressão ideológica da imposição de padrões estéticos não negros, a exploração comercial e sexual da nossa imagem, principalmente nos meios de comunicação, diferenças salariais, desigualdade racial e social, questões relacionadas ao trabalho, educação, violência e saúde ainda estão presentes no cotidiano das mulheres negras. Os números ainda denunciam a dura realidade da desigualdade que atinge a mulher negra no Brasil, país com a maior população desta etnia fora da África. Isso implica o reconhecimento e a promoção de ações específicas que proporcionem a construção da identidade negra diante da ambigüidade da natureza feminina e dos desafios acima mencionados.



FCP - Na sua opinião, quais as principais conquistas das mulheres negras brasileiras e o que ainda é necessário conquistar?




Cristiane- Vale a pena destacar a importância do reconhecimento por parte dessas mulheres da dignidade enquanto raça e a afirmação da identidade negra, assim como a contribuição das entidades do Movimento Negro e de alguns outros organismos da sociedade civil como alguns dos elementos que estão a alavancar esse processo de mudança, junto com as iniciativas das individualidades. As vitórias ainda estão a ocorrer em um ritmo lento, exigem um esforço e tanto e cobram um preço alto para a maioria das mulheres.



FCP - Quais os benefícios que as políticas de ações afirmativas estão trazendo para as mulheres negras?




Cristiane - As Políticas de Ação Afirmativa, ou Políticas de Diversidade, contribuem de forma efetiva para a diminuição das disparidades no mercado de trabalho e demais espaços onde as mulheres negras não estão representadas condignamente, a promoção do debate em torno de uma dimensão mais ética nas relações de trabalho, a promoção da igualdade de oportunidades e o combate à discriminação racial.



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Conceição Evaristo




Educadora e escritora, Conceição Evaristo (Maria da Conceição Evaristo de Brito) nasceu em Belo Horizonte (MG). É a segunda filha entre nove irmãos. Em 1973, após terminar o antigo Curso Normal, no Instituto de Educação de Minas Gerais, muda-se para o Rio de Janeiro, e, por meio de concurso, ingressa no magistério público. Conjugando trabalhos e estudos, forma-se em Português Literaturas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mais tarde, já viúva e cuidando de sua especial menina, Ainá Evaristo de Brito, torna-se Mestre em Literatura Brasileira pela PUC/Rio e inicia seu curso de Doutorado em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense.




Possui publicações literárias na série Cadernos Negros - antologia editada anualmente pelo Grupo Quilombhoje, de São Paulo, um coletivo de escritores afro-brasileiros reunidos desde 1978. Seus textos também aparecem em antologias internacionais. Possui as seguintes obras literárias: Ponciá Vicêncio, 2003/2006, Becos da Memória, 2006, Mazza Editora, Belo Horizonte.




Oriunda de família em que o hábito de contar histórias sempre se fez presente, Conceição Evaristo afirma que a sua escrita nasce primeiramente do contato profundo que sempre teve com uma oralidade presente nas culturas afro-brasileiras. A transmissão dessa herança cultivada no interior de sua família configura-se principalmente na pessoa de sua mãe, Joana Josefina Evaristo, assim como nas narrativas que ela ouvia da tia, hoje falecida, Maria Filomena da Silva. Contar e ouvir histórias, do mesmo modo como a observação atenta do cotidiano, aliada ao exercício prazeroso da leitura, é base para a construção de seus contos, poemas, romances e até mesmo seus ensaios.




FCP - O que é ser mulher e negra na sociedade de hoje?




Conceição - Creio que ser mulher e negra na sociedade de hoje é ter a oportunidade de experimentar novas conquistas, novas vitórias e ao mesmo tempo enfrentar novos desafios. Acredito ainda que só é possível entender, com profundidade, a nossa situação atual, se olharmos o nosso passado, presente e o futuro, dentro de uma perspectiva histórica da coletividade negra. Nesse sentido, a partir de uma experiência pessoal, posso afirmar que todas as mulheres de minha família, as que me antecederam, tiveram o seu mundo de trabalho limitado ao espaço das casas das patroas, em serviços domésticos. Herança da condição das mulheres africanas e suas descendentes escravizadas. Mãe, tias, primas, amigas familiares, todas em funções domésticas, em um tempo que o emprego doméstico não era regulamentado ainda. As de minha de geração, irmãs e primas, durante anos e anos, tiveram toda a meninice, a mocidade e vida adulta no fundo das cozinhas alheias, enquanto nos preparávamos para galgar outros espaços profissionais e políticos, como: advogadas, professoras, líderes sindicais... Eu mesma, na infância e na juventude experimentei essa condição. Umas duas gerações posteriores à minha, já apresentam as nossas filhas e sobrinhas em outras profissões e lugares. E, então, pouco a pouco, gerações posteriores vão conseguindo fornecer uma melhor estrutura econômica, para que as mais novas possam construir para si, novos lugares sociais. Embora, eu esteja falando a partir de uma experiência pessoal, tenho observado esse mesmo processo no interior de várias outras famílias negras.





FCP - Na sua opinião, quais as principais conquistas das mulheres negras brasileiras e o que ainda é necessário conquistar?




Conceição - Tem sido a colocação de nossa própria voz dentro de vários movimentos e espaços políticos sociais. Tem sido a nossa insistência em impor a nossa representatividade, mesmo que pequena ainda, mesmo que diminuta, quando se considera a presença das mulheres brancas em vários espaços do poder. Enfatizo: queremos, precisamos, temos o direito e estamos buscando mais. O nosso caminho não tem volta. Caminhamos em frente para atingirmos espaços, nos partidos políticos, nos ministérios, nas academias, nos múltiplos campos do saber, na mídia, nos esportes, nas formas diversificadas de artes, etc. Nesse sentido, de uma forma ou de outra, para além de nossa promoção pessoal, para além de alimento para a nossa auto-estima, para o nosso ego, as nossas vitórias pessoais devem incidir, de uma forma ou outra, sobre o coletivo. Precisamos ainda romper com o espaço de subalternidade em que teimam em nos colocar até hoje. E quero reafirmar, que é de dentro desse espaço de subalternidade, que retiramos muitas vezes a nossa força, a nossa resistência e os nossos modos de sobrevivência. Mas não podemos ignorar que é aí também que muitas ficam pelo caminho, que muitas adoecem e que muitas morrem. O pão diário, de uma grande maioria das mulheres negras, é construído ainda em funções subalternas. O que temos de conquistar ainda? Muitos e todos os lugares. Por exemplo, um lugar de respeito para as funções domésticas, com uma efetiva validade das leis que regem o trabalho doméstico. De um modo geral, tudo que falta à população pobre brasileira, sobre as mulheres negras, os direitos sonegados incidem com muito mais violência.




FCP - Quais os benefícios que as políticas de ações afirmativas estão trazendo para as mulheres negras?




Conceição - Vou responder tendo como base a área educacional, que é o campo que eu acompanho mais de perto. E por isso minha resposta tem como eixo a validade da instituição de cotas nas universidades, como também a promulgação da Lei 10.639/2003, hoje substituída pela Lei 11.465/2008. A instituição de cotas vem propiciando um maior ingresso de mulheres negras nos cursos universitários. Creio que, à medida que mulheres negras atinjam uma profissão de formação universitária, estarão mais preparadas para as disputas de inserção no campo de trabalho. Quanto à lei de caráter afirmativo que altera revisão do currículo escolar, apesar de todas as dificuldades para implementá-la, desde 2003, indiretamente, ou mesmo diretamente, novos estudos, novas informações têm concorrido para uma apreensão da história das mulheres negras, pelos profissionais da educação e em particular pelas profissionais negras. Em curso para profissionais da educação, tenho observado de perto a reação de professoras negras ao refletirem sobre a presença das mulheres africanas e afrodescendentes na História Brasileira. Uma lei que obriga a inserção da história "dos povos dominados", a partir de uma nova ótica, no currículo escolar, pode concorrer para que as mulheres negras, que atuam no campo da educação formal, se tornem mais competentes para assumirem, positivamente, a sua história individual e coletiva.


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Dione Moura



Jornalista, educadora e professora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), Dione Moura participou da comissão que implantou o sistema de cotas para estudantes negros na UnB. Também foi membro da comissão que formulou o projeto final de criação do Curso de Doutorado em Comunicação na UnB, aprovado pelo CTC/CAPES. Co-autora do projeto de reforma editorial da "Revista Comunicação e Espaço Público" e editora deste periódico. Membro fundadora e primeira Diretora Editorial da Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo -SBPJjor (mandatos 2004/2005 e 2006/2007). Possui graduação em Comunicação Social - Jornalismo, pela Universidade Federal de Goiás (1986), mestrado em Comunicação pela Universidade de Brasília (1991) e doutorado em Ciências da Informação pela Universidade de Brasília (2001).




FCP - O que é ser mulher e negra na sociedade de hoje?




Dione - Às vezes perguntam se, sendo uma mulher negra, sofro preconceito por ser uma mulher negra. Respondo que não sofro preconceito por ser negra, pois o preconceito não é constituinte da minha pessoa. Está, sim, na cabeça - ideologia- de qualquer pessoa não imbuída de senso ético. Grande parte das mulheres negras brasileiras vive em situações economicamente desfavoráveis, o que se soma aos preconceitos ainda vigentes.



FCP - Na sua opinião, quais as principais conquistas das mulheres negras brasileiras e o que ainda é necessário conquistar?




Dione - Diante das estatísticas sociais que demonstram a desigualdade de renda das mulheres negras, é preciso levantar a pauta das mudanças necessárias. Mas não há só perdas, há ganhos. São frutos advindos das raízes plantadas por nossas ancestrais negras, mulheres amorosas e guerreiras. Quero começar por lembrar, e homenagear, a mulher negra da época da escravidão, inclusive por ter sido uma das presenças marcantes na criação dos quilombos, espaços de resistência e fortalecimento cultural. Após o processo de redemocratização do país, em fins da década de 1980, parte das reivindicações dos movimentos sociais, a exemplo do movimento negro, obteve visibilidade. Da visibilidade de compreensão das marginalizações sociais que atingiam especialmente as mulheres negras, temos chegado, na última década, à implementação de políticas públicas, como as ações afirmativas e outras tantas implementadas pelos programas da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Precisamos de mais décadas para frente até que os resultados das políticas de agora afetem, da melhor forma possível, as novas gerações. As mulheres negras de hoje, início do século XXI, são a terceira ou quarta geração de descendentes de mulheres africanas que para cá vieram escravizadas. Mais duas ou três gerações futuras, estamos falando em 2050, serão as descendentes das mulheres negras que hoje já iniciam um maior reconhecimento de seus direitos. E o processo de conquistas deve ser contínuo. Acontecer em cada família que se reconhece e se respeita enquanto família oriunda de uma mulher negra, em cada escola, em cada setor da economia formal ou informal, em cada manifestação cultural. Mas estamos avançando.



FCP - Quais os benefícios que as políticas de ações afirmativas estão trazendo para as mulheres negras?



Dione - A implementação dessas políticas de ações afirmativas, que reconhecem a situação de desigualdade histórica vivida pela mulher negra brasileira, é um primeiro passo concreto, logo, uma vitória inicial. O primeiro benefício é indireto e alcança qualquer mulher negra - criança, jovem, adulta ou da terceira idade. Trata-se de acordar a sociedade do preconceito que a faz olhar para uma mulher negra entrando em uma loja e não se aproximar dela, por não vê-la como potencial compradora. Isto é só um exemplo, simples até. Contudo, carregado de sentidos estigmatizadores.


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Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva




Professora titular de Ensino-aprendizagem - Relações Étnico-Raciais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Petronilha Silva foi relatora do Parecer que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, implantadas pela lei 10.639/2003. É pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros/UFSCar e Coordenadora do Grupo Gestor do Programa de Ações Afirmativas da UFSCar. Possui graduação em Português e Francês pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1964), mestrado em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1979) e doutorado em Ciências Humanas - Educação pela mesma universidade (1987). Participa ativamente do International Research Group on Epystemology of African Roots and Education, coordenado pela professora e doutura Joyce Elaine King, da Georgia State University/USA. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Tópicos Específicos de Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação e relações étnico-raciais, negro e educação, direitos humanos, práticas sociais e processos educativos, políticas curriculares.




FCP - O que é ser mulher e negra na sociedade de hoje?




Petronilha - Em 1988, realizei pesquisa com mulheres negras da região sul. Entre outras perguntas, formulei uma semelhante a que você me faz. Na oportunidade, muitas companheiras responderam que ser mulher negra na sociedade, naquela data, era ser guerreira. Hoje, vinte anos depois sou tentada a dar a mesma resposta: Ser mulher negra na sociedade de hoje é ser guerreira. Guerreira, no sentido de batalhadora, resistente, capaz de superar desafios, combater desumanidades, pronta para lutar pelo reconhecimento de suas raízes africanas, defender os direitos dos negros de África e da diáspora à identidade africana, à história e cultura próprias, à cidadania. É ser guerreira porque não aceita discriminações, trabalha para que desigualdades sejam superadas, combate racismos e é aliada dos que batalham pela construção de uma sociedade justa para todos. Essas são qualidades e ações de mulheres negras herdadas da ancestralidade africana. Tive certeza disto ao ler o livro de Sylvia Serbin[1], historiadora e jornalista nas Antilhas, sobre Rainhas da África e heroínas da diáspora negra. Nessa obra, ela reúne biografias e histórias, celebra ações e exemplos de rainhas, de lideranças de mulheres comuns, todas negras, na defesa de seus povos, em batalhas contra escravizadores e colonizadores, em lutas por libertação, em iniciativas para manter as tradições de suas origens. Como se vê, ser mulher negra, em todos os tempos, tem sido guerreira em busca de liberdade, de respeito a seu pertencimento étnico-racial enraizado na África, de igualdade de direitos em relação aos homens e a pessoas de outros pertencimentos étnico-raciais.




FCP - Na sua opinião, quais as principais conquistas das mulheres negras brasileiras e o que ainda é necessário conquistar?




Petronilha - A principal delas certamente é cidadania. Direito cada vez mais reivindicado e fortalecido pelo acesso aos diferentes níveis de estudos, sobretudo os universitários; pelas ainda reduzidas oportunidades de exercício de funções com poder de tomar decisões e de implantar ações que atendem a anseios e necessidades do nosso povo negro; pela participação, cada vez mais intensa, em iniciativas que visam a informar a formulação de políticas e a influir na sua implementação. É preciso ampliar e consolidar essas conquistas e para tanto fortalecer nossa formação política, enquanto mulheres e negras.





FCP - Quais os benefícios que as políticas de ações afirmativas estão trazendo para as mulheres negras?




Petronilha - As lutas por reconhecimento e reparações empreendidas pelas mulheres negras, iniciadas desde o século XIX por nossas bisavós ainda escravizadas, vem garantindo, principalmente nos últimos anos, ampliação das possibilidades de educação nos diferentes níveis de ensino. Há um outro benefício que merece ser destacado, embora, como o anterior, ainda não plenamente atingido. Trata-se da negação da imagem estereotipada da "mulata", como representação da mulher negra. A mulata, construção social que serve como símbolo de branqueamento do "físico e dos traços culturais africanos" foi criada, pondera Flora Gonzáles (1999)[2], como um personagem a quem se tem relegado papéis de doméstica, bailarina em casa noturna, prostituta, divertimento, sendo propagada, dessa forma, imagem da mulher negra eivada de subserviência e configurada como objeto sexualmente provocante. São cada vez mais questionadas e combatidas tais imagens que desumanizam mulheres negras, ao ressaltar atributos físicos, exuberância sexual, gestos sedutores, e ao situar estes corpos negros fora da vida cotidiana de trabalho para sobreviver, manter famílias, realizar-se enquanto seres humanos e cidadãs. Desta forma desmontam-se estereótipos que representam corpos de mulheres negras como modelos de beleza, docilidade e passividade, ressaltando controle dos que as empregam, dos que exploram seus dotes, enfim da sociedade que tudo admite, como se fosse nobre desqualificar e desumanizar mulheres negras.



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[1] SERBIN, Sylvia. Reines s´Afrique et heroïnes de la diáspora noire. 3. ed. Saint-Maure-des-Fossés, Sépia, 2006.

[2] GONZÁLEZ,Flora. Image of the mulata in Latin America and Caribe. In: APPIAH, KWame A. &GATES, Henry louis Jr. Africana - the encyclopedia of the African and African American experience. New York, civitas book, 1000.


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Vera Lacerda



Fundadora do bloco afro Ara Ketu, em Salvador (BA), Vera Lacerda é historiadora e mestre em Filosofia. Foi diretora de escolas públicas de Periperi ( bairro de Salvador), e, vendo a realidade do subúrbio, sempre desejou criar um bloco que viesse do local onde morou e criou os filhos. Este ano, o bloco completa seu 29º aniversário, e por uma feliz coincidência, no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Vera fundou ainda o Instituto Ara Ketu, em 1997, que atende a 800 crianças. O instituto realiza as Oficinas Ara Ketu, com uma base educacional/escolar, desenvolvendo, então, atividades comunitárias na tentativa de contribuir para o resgate social de crianças e adolescentes.




FCP - O que é ser mulher e negra na sociedade de hoje?




Vera - Símbolo constante de luta. Apesar de algumas conquistas, sabemos que muito há de ser conquistado, pois, numa sociedade machista como a nossa, ser mulher já é uma luta, e negra, mais difícil ainda. É por isso que prego sempre que temos de lutar por ser cada vez mais competentes, pois só assim alcançamos perspectivas melhores.




FCP - Na sua opinião, quais as principais conquistas das mulheres negras brasileiras e o que ainda é necessário conquistar?




Vera - A inclusão na política e no mercado de trabalho, apesar de saber que muito teremos de lutar. Inclusive, aquelas que têm condições devem buscar a conscientização das que não têm acesso à educação e à profissionalização, mostrando para elas que até para saber reinvindicar seus diretos, deve-se antes conhecê-los.




FCP - Quais os benefícios que as políticas de ações afirmativas estão trazendo para as mulheres negras?




Vera - Espero que essa ações sejam realmente concretizadas e, como eu já disse, não adiantam políticas voltadas para nós se não investirmos em educação e conscientização das pessoas, pois só assim teremos perspectivas melhores. Eu, que trabalho na área social, vejo os obstáculos existentes, pois na camada mais pobre da nossa comunidade, que é a maioria, é preciso que se deixe a política do assistencialismo e pensemos em investir na produtividade das pessoas. Projetos voltados para geração de renda são fundamentais. Não adianta dar o peixe e sim ensinar a pescar. Vamos despertar cada vez mais nos nossos jovens o orgulho de ser negro. Vou investir muito, por exemplo, na nossa nova cantora, uma jovem de 21 anos que faz Letras, fala inglês, toca vários instrumentos e tem consciência política e social.


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Zezé Motta
Atriz e cantora brasileira, Maria José Motta de Oliveira, conhecida como Zezé Motta, começou a carreira, em 1967, estrelando a peça Roda-viva, de Chico Buarque. Em 1969, atuou em Fígaro, fígaro, Arena canta Zumbi e A vida escrachada de Joana Martini e Baby Stompanato. Em 1972, participou de Orfeu negro e, em 1974, atuou em Godspell.

Iniciou como cantora em 1971, em casas noturnas paulistas. De 1975 a 1980 lançou seis discos. No cinema atuou em Vai trabalhar, vagabundo (1973), Ouro Sangrento, Anjos da Noite, Tieta do Agreste, Xica da Silva (1976), que a consagrou internacionalmente, e Orfeu. Em 1994 gravou a canção o ciclo da vida, abertura do filme o rei leão (1994). Atuou na telenovela Xica da Silva em 1996, vinte anos depois de protagonizar o filme.

O especial Mulher 80 (Rede Globo), foi um dos marcantes momentos da televisão; o programa exibiu uma série de entrevistas e musicais cujo tema era a mulher e a discussão do papel feminino na sociedade de então, abordando esta temática no contexto da música nacional e a inegável preponderância das vozes femininas.




Militante do Movimento Negro, a atriz e cantora Zezé Motta é hoje superintendente da Igualdade Racial do governo do Rio de Janeiro. Uma mulher que não se cansa de trabalhar e militar pela igualdade de gênero e etnia.





FCP - O que é ser mulher e negra na sociedade de hoje?




Zezé - É continuar lutando contra a discriminação de gênero e etnia. Lutando por respeito, dignidade, espaço no mercado de trabalho, enfim, por igualdade.




FCP - Na sua opinião, quais as principais conquistas das mulheres negras brasileiras e o que ainda é necessário conquistar?




Zezé - Eu posso falar na minha área, por exemplo. No caso das atrizes, eu acho que nós avançamos, porque as atrizes negras sempre tiveram dificuldade de espaço na mídia. Os papéis que representavam eram aqueles de subalternos, a doméstica, o motorista. A minha geração fez uma campanha para mudar esses fatos e a gente já está vendo os frutos disso: papéis diversificados para atrizes e atores negros. Acho importante que a mulher negra consiga não fazer só esses personagens. A questão não é fazer esses papéis, porque todas as profissões são dignas, importantes e necessárias. O problema da nossa luta foi a questão de as atrizes negras só fazerem esses papéis. Eu sempre digo que podem me chamar para fazer a empregada, desde que ela seja a protagonista (risos). Já vimos a Thaís Araújo protagonizando novelas, a Isabel Filardes com personagens em destaque, eu mesma já fiz papéis importantes. Eu acho importante que as atrizes tenham conquistado esse espaço, porque a televisão é um meio muito poderoso. Esse espaço que a gente conquistou ajuda na auto-estima dessa galera jovem, que, de repente, vê uma mulher negra bem sucedida na novela. O segredo é a perseverança, é perseguir o sonho, é não desistir da luta. Agora, como presidente de honra do Cidan (Centro de Informação e Documentação do Artista Negro), eu vejo que há muita luta pela frente, pois há muitas mulheres negras no nosso banco de dados e poucas estão na mídia. Mas eu fico muito feliz de ver que a nossa luta tem dado frutos.




FCP - Quais os benefícios que as políticas de ações afirmativas estão trazendo para as mulheres negras?




Zezé - As ações afirmativas são bem-vindas e inevitavelmente só trazem benefícios. É um estímulo para essas mulheres que, de repente, estão desanimadas, não têm mais esperança. Por exemplo, há um curso de estética dado pelo salão Afro-Day, no Rio de Janeiro. Eu tive o privilégio de ser madrinha da primeira turma que se formou nesse curso, há uns 20 anos, e eu percebi os benefícios dessas ações afirmativas. Eu conheci as meninas quando elas chegaram no curso e, seis meses depois, na formatura, eu não as reconheci. Eu não ouvi nenhum palavrão, elas conversavam com educação e tranqüilidade, estavam muito bem vestidas e não com as roupas curtas e decotadas com que ingressaram no curso. Eu passava por elas e não as conhecia, perguntava: - "Onde estão minhas meninas?" (risos). A partir daí eu resolvi começar um curso de artes dramáticas para meninas de baixa renda, porque eu via esperança nos olhos daquelas meninas. Por isso, as ações afirmativas devem ter um leque muito amplo para atender a todos os anseios e sonhos das mulheres negras brasileiras.


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Chica Xavier





Atriz consagrada na dramaturgia brasileira, Chica Xavier é também conselheira da Fundação Cultural Palmares. Nasceu em Salvador, aposentou-se no funcionalismo público, e seguiu para o Rio de Janeiro para alcançar o sonho de ser atriz. Trabalha até hoje como atriz, profissão que considera sua realização. Considera a família como sua principal riqueza. É casada com o ator Clementino Kelé, seu primeiro namorado, e com ele tem três filhos. Mas se considera mãe de todos os seus amigos. Faz parte da Irmandade Nossa Senhora do Rosário, criada por seus ancestrais escravos no século XVIII, fruto do sincretismo religioso entre o catolicismo, o candomblé e a umbanda. Com 77 anos de idade, Chica Xavier sabe das dificuldades de ser mulher negra, mas se considera muito feliz.






FCP - O que é ser mulher e negra na sociedade de hoje?




Chica - É difícil ser mulher negra na sociedade de hoje, mas eu já venci outras coisas. Eu não sou só atriz. Eu sou uma mulher que começou a trabalhar aos 14 anos, na Imprensa Oficial do Estado da Bahia, como aprendiz de encadernadora. Com 45 anos, eu já estava me aposentando no serviço público, e aí eu pude pensar em exercer o papel de atriz. Eu me fiz atriz aqui no Rio de Janeiro, começando com o curso teatro de estudante de Pascoal Carlos Magno, isso em final de ano de 1953. Fiz três anos de teatro, mas trabalhando como funcionária do Ministério da Educação, e vim para cá na ansiedade de estudar arte. Aí continuei minha luta, mas consciente de que não podia sobreviver como atriz. Minha mãe era uma mulher negra e hoje eu tenho uma família maravilhosa, um marido que é tudo na minha vida, três filhos maravilhosos. Sou muito feliz.



Marília Matias de Oliveira - Assecom/FCP/MinC

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